terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Um pouco de História - 1961, o ano de todos os perigos



O Texto que se segue foi retirado do link seguinte:


Um abraço para todos do vosso amigo Aires - 1º Cabo 26255


1961, o ano de todos os perigos


Diana Andringa

Na mensagem de Ano Novo de 1960, a primeira difundida pela televisão, o presidente Américo Tomás agoirou problemas para o País. Mas o agoiro era, mais que para o País, para o regime que o manietava.
Estava-se na ressaca das eleições de 58. A candidatura de Humberto Delgado fizera tremer o poder instituído e continuavam a sentir-se ondas de choque: agitação dos sectores católicos, tentativas de golpe, greves de pescadores, manifestações estudantis. Nas Nações Unidas, o número de países acabados de aceder à independência alterava a relação de forças e aumentava a inquietação do regime: na sequência do levantamento dos trabalhadores do porto de Pidjiguiti, na Guiné-Bissau, a Assembleia-Geral exigira informações sobre a situação nas colónias portuguesas.
O ano de 60 justifica as apreensões do contra-almirante: poucos dias após o seu discurso, dez dirigentes comunistas evadem-se da cadeia do Forte de Peniche; em Abril e Maio, há lutas e greves em vários sectores; em Junho, em Mueda, Moçambique, centenas de pessoas protestam contra os baixos salários e várias dezenas são massacradas; em Dezembro, o drama repete-se em Angola, na Baixa do Cassange. Nesse mesmo mês, dirigentes dos movimentos independentistas exigem, numa conferência de imprensa em Londres, o início das negociações com vista à descolonização. Em Coimbra, estudantes boicotam as salas de cinema, contra o aumento dos bilhetes; no Porto, são os estudantes de Medicina a entrar em greve.
O ano seguinte, 1961, será verdadeiramente o de todos os perigos para o regime: logo em Janeiro, o desvio do paquete Santa Maria, por um comando chefiado por Henrique Galvão, projecta para o mundo a imagem da oposição. O acto surpreende uma opinião internacional habituada a que, a oeste, nada houvesse de novo... Um jornalista suíço que então visita Portugal traça assim, na televisão helvética, o retrato do País:
"Ao cabo de uma geração inteira à margem da História contemporânea, Portugal encontra-se projectado, pelas tradições da sua própria História, no primeiro plano da actualidade. E daí não sairá facilmente. O destino dos seus homens, das suas mulheres, está nas mãos de um pensador de 72 anos, que há 33 anos esmaga os seus ministros com a sua superioridade intelectual, e que não se tem preocupado muito, parece, com a sucessão.
Um dia, será preciso que este povo seja tratado como adulto. Inelutavelmente, o desenvolvimento económico fará rebentar as estruturas, criará novos tipos de homens, novas reivindicações, sem dúvida, mas também novas dignidades. Um grande passado só tem sentido se invocar um grande futuro. É para ele que trabalham já as forças vivas de Portugal. Mas é de Luanda que primeiro chegam os sinais de mudança: em 4 de Fevereiro, o assalto à cadeia de São Paulo, mais tarde reclamado pelo MPLA, põe em causa a estabilidade do regime. Em 15 de Março, a ofensiva da UPA reforça a ideia de que chegou a hora derradeira do colonialismo português". Colonialismo condenado também por Washington, o Vaticano e os ventos da História.
A violência dos ataques da UPA, no entanto, permite ao regime uma ofensiva de propaganda: reunidas em livro sob o título "Genocídio contra Portugal", fotografias dos corpos horrivelmente mutilados das vítimas permitem ao Governo concitar simpatias que o 4 de Fevereiro não lhe atraíra. A própria oposição se divide: antifascismo e anticolonialismo não vão forçosamente de par, e a palavra de ordem «Para Angola e em força!», desperta insuspeitados patriotismos.
O ataque seguinte é do «inimigo interno». Marinha de Campos, um estudante de Medicina de Coimbra, publica na Via Latina uma «Carta a uma Jovem Portuguesa» que choca violentamente a moral tradicional:
«Somos jovens. A minha liberdade não é igual à tua. Separa-nos um muro, alto e espesso, que nem eu nem tu construímos. A nós, rapazes, a viver do lado de cá, onde temos uma ordem social que em relação a vós nos favorece. Para vós, raparigas, o lado de lá desse muro; o muro inquietante da sombra e da repressão mental. Do estatismo e da imanência.»
Nesse ano, as raparigas eram já 34,5 por cento na Universidade de Coimbra, 42,2 na Universidade Clássica de Lisboa e 26,8 na do Porto. Só na Universidade Técnica, de Lisboa continuavam a quedar-se pelos 10 por cento. Mas a sua liberdade mantinha-se condicionada e a sua participação na vida cívica diminuta. O seu horizonte era ainda o que fora o de suas mães: casar, ter filhos, obedecer ao marido, como mandava a lei.
A «Carta a uma Jovem Portuguesa» contestava tudo isso: "... tens de ser no futuro a jovem ao lado do jovem. A rapariga ao lado do rapaz.Para isso tens de trilhar os caminhos da compreensão e da aproximação e não os do afastamento desconfiado. Tens de colaborar em tudo o que os rapazes elaboram e realizam, e sempre num plano de igualdade. Tens de ajudar, criticar, disparatar (porque não?). Tens de derrubar connosco o muro que nos separa. Tens de participar na mesma frente, na frente das nossas reivindicações para a construção duma melhor realidade juvenil. Tens de fugir ao isolamento e ao mundo fechado e diferente das raparigas entre si. Tens de entrar no nosso mundo errado, mas errado por não estares lá".
É um apelo à igualdade cívica, mas o conservadorismo português reage como se se tratasse de uma incitação ao deboche, à promiscuidade. Em panfletos, artigos, sucedem-se as manifestações de desagravo. Mas, num Portugal que começa a enviar os seus filhos para a guerra de África, os problemas sucedem-se, criando outras tantas distracções: sob pressão internacional e dos sectores esclarecidos do regime, é abolido o Estatuto do Indigenato, a oposição lança o seu «Programa para a Democratização da República» e manifesta-se nas ruas durante as eleições para deputados; a ONU continua a condenar a política colonial portuguesa; depois do "Santa Maria", é um avião da TAP a ser desviado, a fim de lançar panfletos sobre Lisboa. Em Dezembro, tropas indianas tomam Goa e verifica-se nova fuga de dirigentes comunistas, desta vez de Caxias. Finalmente, em nova tentativa de golpe, na passagem do ano, o quartel de Beja é assaltado, sendo morto na sua acção o subsecretário de Estado do Exército.