segunda-feira, 14 de março de 2016

Como Salazar preparou a Guerra Colonial


Boa tarde a todos, meus amigos!

Hoje deixo-vos com um pouco de história.

Fui buscar o texto a este site:


Um abraço a todos do vosso amigo Aires - 1º Cabo 2625



"Embora não tenha sido a mais mortífera, a guerra colonial foi cronologicamente o mais longo conflito militar em que Portugal se viu envolvido desde as guerras da Restauração, iniciadas em 1640 e concluídas em 1668 (para Angola e Moçambique, porém, as guerras de libertação nacional – treze anos no primeiro caso e dez no segundo –, foram mais curtas do que as guerras civis iniciadas, respectivamente, em 1975 e em 1977). Num conjunto de curtos ensaios a publicar a partir deste mês de Agosto, procurarei analisar alguns episódios que considero relevantes, mesmo quando aparentemente menos óbvios, da história das guerras coloniais ocorridas em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique entre 1961 e 1975, embora aqui e ali tanto as fronteiras geográficas como as cronológicas sejam desrespeitadas.




Na longa história (ou evolução) desta guerra global, não importava apenas a qualidade e a quantidade do armamento, no sentido convencional do termo, de que as partes dispunham. Particularmente importante foi o uso que se fez de recursos políticos dos mais variados e que se destacavam por terem como objectivo não apenas vencer um confronto militar no terreno mas, também, conseguir a conquista dos “corações e das mentes” das populações africanas residentes nas colónias portuguesas, da opinião pública portuguesa, das elites políticas, sociais e militares portuguesas, e ainda da opinião pública internacional e de decisores políticos ou actores económicos espalhados pelo mundo. Ou seja, devemos preparar-nos para ver um conflito como a guerra colonial enquanto um acontecimento em que as questões militares são necessárias para perceber aquilo que esteve em causa, mas não suficientes para explicar a sua natureza, desenvolvimento e desenlace. Os principais actores do conflito perceberam muito bem esta realidade e agiram em conformidade. Os historiadores e o público que se interessa pela história da guerra colonial nem por isso.

A questão da preparação portuguesa para a guerra (1961) – Que guerra e quando?



“Não são as sublevações que hão-de definir os resultados finais.”
Oliveira Salazar, 30 de Agosto de 1960


Numa reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional realizada a 30 de Agosto de 1960 no Palácio de São Bento, e no decurso da qual se trataram “assuntos relacionados com a defesa do Ultramar”, Oliveira Salazar iniciou os trabalhos com uma exposição que dava mostras da sua preocupação com os desenvolvimentos registados recentemente na situação política da África subsaariana. O presidente do Conselho reconheceu que desde Julho de 1959, quando se tinha realizado a última reunião entre os conselheiros da defesa nacional, a situação naquela região sofrera alterações profundas tornando-se “mais difícil para nós”.




A causa era simples: se em Julho de 1959 a independência da Guiné francesa (ocorrida em Outubro de 1958) e a do Congo belga (que teria lugar em Junho de 1960), pareciam ser as únicas ameaças sérias ao status quo prevalecente na chamada África negra e à estabilidade e segurança relativas existentes nas colónias da Guiné, de Angola e de Moçambique, um ano mais tarde era evidente que o “desmoronamento dos territórios” que rodeavam as províncias ultramarinas portuguesas iria ter repercussões tanto na sua segurança externa como interna. Povos e territórios “subordinados a países amigos”, no presente ou num futuro mais ou menos próximo, tornar-se-iam independentes e, portanto, teriam para com Portugal, e o seu estatuto de estado colonial, uma atitude certamente hostil, ainda que com gradações distintas.

Definido o quadro geral, Salazar enunciou depois outro tipo de consequências para a segurança e integridade dos territórios portugueses em África, que decorreriam desta nova realidade. Entre aquelas, a principal relacionava-se com a planificação política e militar que vinha sendo feita e que devia ser revista. Ou seja, era imperioso que se preparassem as Forças Armadas para fazerem face não já à forte probabilidade mas à inevitabilidade de uma “sublevação da população negra.” Ora, é sobre esta questão política e militar e o seu significado que este primeiro texto sobre a guerra colonial se debruça.

Dilemas militares e confrontação política.

A formação e consolidação de uma nova realidade política africana no final da década de 1950 e no início da década de 1960 significava que, a par do reconhecimento da existência de outras potenciais ou reais ameaças à política colonial portuguesa, medidas extraordinárias deviam ser tomadas pelas autoridades coloniais. No domínio da acção político-militar que pretendia prevenir, adiar e, finalmente, limitar os custos de uma inevitável sublevação ou insurgência armada nos territórios coloniais, as autoridades portuguesas procuraram definir e pôr em prática uma nova estratégia. Ou melhor, uma estratégia que complementasse aquela que até meados do ano de 1960 considerou que a situação política em África, e a questão global da descolonização, não se alterariam nem substancial nem rapidamente.

Salazar foi acusado de não ter preparado as forças armadas para a guerra que se aproximava

Note-se, porém, que modificado o ritmo e o alcance das transformações ocorridas no espaço africano, tal não significou que se tivesse tornado irrelevante a existência de outras ameaças ou riscos para os interesses portugueses. Era o caso, por exemplo, e ainda segundo Salazar, de ter prosseguido e ter sido aprofundada uma “modificação geral” na “política das Nações Unidas em relação à África”; ou o facto dos “Americanos” desconhecerem “completamente os problemas Asiáticos e Africanos”.

Isto indica que em Lisboa se percebia que os EUA estavam já a desinvestir, ou em vias de desinvestir mais ainda, na sua política de apoio ao colonialismo europeu como forma de travar a formação de vazios de poder na Ásia e em África resultantes de descolonizações precipitadas — facto que, segundo Washington, e durante cerca de uma década, proporcionara oportunidades para a afirmação da presença e do poder da União Soviética e de seus aliados naqueles dois continentes.

Durante décadas, fruto dos testemunhos deixados sobretudo por militares que nos meses de Março e Abril de 1961 conspiraram frustrada mas intensamente com o intuito de afastarem Salazar da chefia do governo, foi voz corrente a ideia de que o ditador ignorou as ameaças políticas e militares que pairavam sobre o império africano português como consequência da resistência do Estado Novo aos ventos de mudança que teriam tornado mais ou menos inevitável a descolonização dos impérios ultramarinos europeus.

Paralelamente, Oliveira Salazar foi acusado de ter recusado aceitar a inevitabilidade do deflagrar de uma guerra contra movimentos de guerrilha na Guiné, em Angola e em Moçambique, à imagem das guerras revolucionárias de libertação nacional, anticoloniais ou não, que enxamearam a Ásia, a África e a América Latina no decurso da Guerra Fria. Essa recusa teria impedido as chefias militares de apetrecharem as Forças Armadas com meios materiais, humanos e a doutrina que poderiam possibilitar que se travasse com êxito uma guerra de contra-insurgência.

Botelho Moniz, o ministro da Defesa que quis derrubar Salazar

No entanto tal acusação está longe de corresponder à verdade, sendo desmentida por factos que demonstram ter Salazar percebido, como toda a cúpula política e militar do Estado Novo, que a guerra — provável primeiro, e inevitável depois — com que Portugal se confrontaria, não só ocorreria em África como teria uma natureza “subversiva” (é verdade que Salazar temeu em 1959, 1960 e 1961 que se pudesse reunir na Guiné-Conacri um exército internacional, cujo intuito seria invadir e ocupar o território da Guiné portuguesa).

Sendo assim, que razão terá levado militares próximos de Botelho Moniz a difundiram a imagem, hoje genericamente aceite, de um Oliveira Salazar incapaz de reconhecer que a guerra que iria ocorrer na África portuguesa seria combatida segundo o paradigma da contra-insurgência, por um lado, e que o ditador tudo teria feito para travar, pelo menos em parte, uma preparação adequada das Forças Armadas portuguesas para um conflito com aquelas características?




Na verdade a resposta é simples e pouco ou nada tem que ver com questões natureza militar. As divergências que se instalaram no topo do Estado Novo e do Governo sobre como preparar a guerra que aí vinha eram exclusivamente políticas, pelo que a questão da forma como a guerra de contra-insurgência seria planeada e executada foi um elemento lateral naquilo que era uma rivalidade e uma desconfiança profunda entre membros do Governo desde Agosto de 1958 – data em que uma importante remodelação governamental fez substituir Fernando Santos Costa por Júlio Botelho Moniz na condução da pasta da Defesa Nacional.

Note-se, porém, que essas rivalidades não tinham por trás quaisquer divergências político-ideológicas inconciliáveis sobre a forma como Portugal devia ser governado. Eram essencialmente pessoais e andavam em torno da mais pura luta pelo acesso ao poder e seu uso. A ideia de que a um Salazar “reaccionário” ou “ultraconservador” se opunha um Botelho Moniz liberal, não passa de uma mistificação construída posteriormente por defensores da “Abrilada” (qualquer biografia política do general Botelho Moniz mostra à saciedade as suas credenciais autoritárias e salazaristas).

Botelho Moniz fez parte de uma missão militar que visitou a frente leste durante a II Guerra, acompanhando o exército alemão

Deixemos agora de lado a discussão sobre a natureza da política colonial, e do próprio regime político, que conduziu à opção pelo uso da força militar como forma de preservar a integridade do império ultramarino português.
Como Salazar preparou a guerra

No que diz respeito à preparação portuguesa para uma guerra colonial, Salazar criou uma equipa em vários ministérios e subsecretarias de Estado com o objectivo de preparar as Forças Armadas, e especialmente o Exército, para um conflito com aquelas características. Fê-lo, porém, tendo em conta, pelo menos, três condicionantes que os seus adversários de então no Governo e no regime, nomeadamente os ministros da Defesa Nacional e do Exército (além do subsecretário de Estado do Exército, Francisco da Costa Gomes), combateram na altura e ignoraram depois em grande parte dos testemunhos produzidos sobre os acontecimentos que precederam a “abrilada”.

A primeira condicionante reconhecia e aceitava que os meios financeiros e humanos à disposição do estado português eram limitados e, por isso, deveriam ser usados criteriosamente. Por exemplo, a preparação financeira para uma guerra colonial implicava, segundo Salazar, um desinvestimento do empenhamento político, militar e também financeiro por parte das Forças Armadas Portuguesas e do estado português na NATO e na cooperação militar com a Espanha ao abrigo dos acordos político-diplomáticos e militares celebrados em 1939 e depois várias vezes revistos e reafirmados.

Desfile militar em Luanda, no início da guerra

Em segundo lugar, o reforço moderado do investimento no dispositivo militar colonial – criado no império, para lá deslocado ou a deslocar – deveria ser rigoroso e realista tanto política como financeiramente. Isto é, não devia pôr em perigo o equilíbrio orçamental, a distribuição justa e necessária de recursos entre ministérios, mas também não devia nem podia criar desequilíbrios excessivos – quanto às dotações financeiras, prontidão operacional ou aquisição de armamento – no seio das próprias Forças Armadas, uma vez que tal eventualidade poderia ter consequências políticas imprevisíveis.

Finalmente (terceira “condicionante”), o calculismo de Salazar relativamente à questão do investimento numas Forças Armadas que deviam estar mais apetrechadas para prevenirem e/ou enfrentarem com êxito uma guerra colonial decorria da desconfiança que o presidente do Conselho sistematicamente nutriu relativamente aos chefes militares, com especial destaque para aqueles que não conhecia bem e/ou em quem não confiava.


Ora a falta de confiança política nas chefias militares, tanto ou mais do que a falta de recursos e a necessidade de os usar de forma quantitativa e qualitativamente equilibrada, foi a causa do imobilismo aparente que teria norteado a acção de Salazar nos anos que precederam o início da guerra em Angola em Março de 1961. Ou seja, embora se pudesse argumentar em 1960-61, como se pode argumentar hoje, que havia algo no domínio da definição e da organização da política de defesa que poderia separar Salazar de Botelho Moniz, tal não radicava na forma como um e outro antecipavam a evolução da situação militar nas colónias e a melhor forma para responder à guerra que se adivinhava. Ela radicava, em primeiro lugar, no facto de Botelho Moniz pretender manter e até reforçar os compromissos com a NATO, ao mesmo tempo que defendia acirradamente um reforço da presença militar em África. Ora a persecução destes dois objectivos teria como consequência inevitável provocar a rotura das finanças do estado português.


Uma outra diferença importante, a segunda, manifestava-se na circunstância de, aparentemente, Botelho Moniz não valorizar o impacto que, no conjunto das Forças Armadas, nomeadamente na sua coerência e coesão interna, teria uma mudança demasiado rápida nas suas estruturas como resultado da atribuição de dotações orçamentais generosas para cumprir os compromissos NATO e os compromissos africanos. Aliás, uma qualquer subida substancial dos gastos com a defesa, ainda antes dos acontecimentos ocorridos em Angola em 1961, teria tido como resultado, caso Salazar a aceitasse, provocar mal-estar não só entre membros do governo, mas certamente entre outros círculos mais afastados mas necessariamente não menos importantes no apoio ao regime e ao seu líder.

A sublevação político-militar começou a 15 de Março de 1961 no “norte” de Angola

A preparação portuguesa para a guerra denotou, pois, a existência de um regime politicamente dividido, embora essa divisão fosse mais circunstancial do que estrutural. Superadas essas divisões, o governo e o regime, com as Forças Armadas, puderam então centrar-se no essencial. E o essencial era enfrentar a sublevação político-militar lançada a 15 de Março de 1961 no “norte” de Angola, sublevação que, independentemente daqueles que foram os seus mentores e perpetradores, acabaria por ser reivindicada pela UPA liderada por Holden Roberto."




Abraço para todos!

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